Tenho essa mania de querer adivinhar fatos sobre as pessoas
que estão a minha frente na fila do supermercado através das compras. Hoje não
foi diferente.
Em primeiro lugar, preciso estabelecer o cenário. Domingo de
páscoa, chuva, 8 horas da noite, em um supermercado de um shopping center. Tudo
estava vazio, exceto os caixas, onde se formavam pelo menos 4 filas com
aproximadamente 10 pessoas em cada uma. Dirigi-me a uma delas e na minha frente
entrou uma moça, lá pelos seus 25-30 anos. Ruiva, parecia natural, um piercing
na narina esquerda, calças jeans, blusinha e casaco. Não saberia descrever o
sapato dela, mas era tipo uma sapatilha, um pouco mais aberta (realmente não
entendo nada de moda). Era uma roupa normal, nem simples demais nem elaborada.
Magra, não chamava atenção pela beleza, mas não se poderia dizer que era feia.
Enfim, uma pessoa normal. No seu cestinho de compras havia uma caixinha de
creme de leite, um saco de batata palha, um tonalizante para cabelos e uma
garrafa de vinho tinto Saint Germain. O creme de leite e a batata palha presumi
que fossem para fazer um prato, tipo strogonoff para janta. Talvez tenha lhe
dado vontade de comer isso e resolveu sair para comprar os ingredientes que
faltavam. O tonalizante podia ser algo que estivesse em promoção e surgiu a
oportunidade – creio que ninguém sairia domingo à noite, na chuva, para comprar
tonalizante. A garrafa de vinho me chamou atenção. Me pareceu algo do tipo
Bridget Jones. Mulher solteira, deprimida, tomando uma garrafa de vinho barato
(a garrafa custa em torno de 15 reais). Você achou isso machista? Talvez seja
mesmo. Talvez eu estivesse julgando erroneamente. Talvez ela tivesse um
namorado esperando-a em casa para comerem o strogonoff – mas que raio de
namorado que deixa a companheira ir sozinha no supermercado de noite, na chuva?
Ainda achava que minha teoria da depressão estivesse mais acertada; combinava
mais com o cenário do dia.
Foi então que ela deixou o vinho no cesto e pegou uma
garrafa de coca-cola em um freezer próximo. Não sei por que a impressão
depressiva não passou, apesar da bebida alcoólica ter sido deixada de lado.
Ainda imaginei-a triste, jantando strogonoff sozinha, mas bebendo refrigerante
antes de dormir. Eu não gosto muito de tocar nos outros ou de ser tocado, mas asa vezes tenho vontade de abraçar estas pessoas que claramente demonstram depressão e dizer "vai ficar tudo bem". Ela pediu que suas compras fossem empacotadas todas na mesma
sacola, mas que colocassem uma segunda para reforçar. Presumi que queria evitar
o volume de sacolas por estar de ônibus. Logo ela pegou sua sacola e saiu. Rapidamente paguei por minhas compras e tentei ver para onde ela ia.
Sempre penso em abordar as pessoas e tentar ver se minhas teorias estão certas,
mas creio que seria muito invasivo e estranho. Ademais, não tenho muitas
habilidades sociais a ponto de iniciar assuntos com pessoas desconhecidas - ou até com pessoas mesmo. Não
encontrei-a. Mesmo que encontrasse, não iria abordá-la.
Creio que as mulheres devem estar de saco cheio de serem abordadas por homens
nas ruas. Deve ser muito difícil ser mulher.
Paguei o ticket do estacionamento e fui para meu carro.
Liguei o som e tocava essa música:
Murder by Death - Pillars of Salt
Our fingers are missing
They litter the ground
Grass will never grow near this town again
The frames on the walls
Are crooked and empty
Our shoulders bend low towards the dirt
I made a deal
To get us out of this place
But I am falling apart
With each step I take
And as the pieces fall
I count them all
Ps.: imagino se alguém visse minhas compras do supermercado naquela noite: três pacotes de miojo, um pacote de doritos e duas long necks de cerveja. Poderiam deduzir uma vida triste, solitária, regada a miojo e álcool. Estaria certo se isso fosse há uns 12 anos. Hoje, não poderia estar mais errado.
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